domingo, 31 de outubro de 2010

Ele


Ela tinha acabado de deixar as crianças na escola, cansada, encaminha-se ao caixa mais próximo, o carrinho estava cheio. “Ai essas crianças! Só querem saber de comer besteiras no lanche” pensava. Ele olha pra trás. Não sei o que se passava ali dentro, mas de fora, era um homem trêmulo, suava, e se tivesse conseguido falar, teria gaguejado. Ela franziu a testa, surpresa, sorriu:
- Não acredito! É você?
            Era ele. Agora mais corado do que antes. Ela se aproximou mais um pouco.
- Lembra de mim?
            Ele ainda está confuso, o seu corpo decide-se entre chorar ou sorrir. Ele sorri, ofegante, balança a cabeça, levanta as sombrancelhas como se acabasse de ganhar na loteria...
- Ju, ju, er... Julia! – somente agora respira – Não nos vemos desde a formatura!
Os dois se olham fixamente por um tempo, acho que o tempo suficiente para nascer num corpo um sentimento. Porém neste caso o sentimento já vivia há alguns anos, dez anos mais precisamente, cinco de faculdade de nutrição, cinco de distância e saudade ou disfarce, ou ainda como o dono e seu cachorro, o dono pede e o cachorro “finge de morto”. O sentimento em questão sería o cachorro, que sendo não morto, estava crescido.
Eles ainda se olhavam fixamente. Ela sorria agora mais intensamente, e ele respirava... sim ele respirava, agora ainda mais ofegante. Se aproximavam como um imã, não se pensava nada naquele momento, ou se pensava tanta coisa que como acontece com as cores, tudo virou branco. Se aproximavam... se aproximavam... quando...
- Está tudo bem com você? – Ela disse.
- Er... sim, sim. Quer dizer, quase tudo, a vida nunca é perfeita não é mesmo?
- É verdade.
- Mas e você? Conseguiu seguir a carreira de nutricionista?
- Ah, você lembra?
- Eu nunca esqueci.
Ela para por um instante e fica seria. Ele a encara, como sempre quis fazer mas nunca se havia permitido por medo. De que? Não me pergunte. Ela respira, seus olhos estão cheios d’água. Baixa a cabeça, desvia o olhar... ela não consegue mais voltar os olhos para ele. Ele, por sua vez, não consegue mais parar de olhar para ela. Ele deixa uma lágrima cair, enxuga rapidamente. Ela finalmente levanta o olhar.
- Desculpe-me, não sei porquê, estou meio confuso...
- Não, não, eu entendo.
- Deve ser essa vida corrida de atualmente, não temos mais tempo para chorar.
- É, deve ser. É, é isso.
Os dois riem. Ele pensa em pedir-lhe um abraço. Ele pensa novamente. Ele pensa pela terceira vez... Ela o abraça sem pensar.
- Não sei se peço desculpas por estar te dando este abraço ou se...  Não sei porquê estou fazendo isso, é que, é... eu sei sim. É... – Ela achou melhor se calar visto que não havia mais o que dizer, aliás, visto que havia, mas ela não iría dizer.
- Nada. – Foi exatamente isso que ele NÃO disse, não disse nada. Fechou os olhos e simplesmente tentou acreditar no que estava acontecendo, a sua vontade era fugir daquele lugar para lugar qualquer onde não houvessem platéias ou personagens... os personagens que eles costumavam representar quando se viam, representar para o público exigente e crítico, observador e... a razão de toda essa peça que havia sido suas vidas. Que ainda era, eles ainda estavam ali.
Ela o solta, enxuga o rosto, ele ainda não acredita no que está a acontecer. Ele quer voltar no tempo, mudar, fazer no passado o que deveria ter acontecido mas os filhos dela não eram seus. Ele quer gritar, gritar para todos, pouco importa agora se vão tapar os ouvidos ou questionar, gritar o que sempre quis dizer para ela. Ele pede a quem quer que seja, um tempo, diz (não diz... novamente só pensa) que daria tudo para voltar àquela época. Sua vida poderia ser a mesma e lhe valería à pena se tivesse em suas mãos apenas o poder de mudar um momento que seja.Ele teve o poder... e jogou fora, deixou cair de suas mãos a possibilidade de viver... é que em um momento da sua vida, ha um bom tempo, ele parou e percebeu que ela estava ali e logo depois percebeu que ao mesmo tempo em que estava ali ela também não estava. E que ao seu lado era a pessoa mais distante. E que se existia no mundo alguém que amasse, era ele.
Ela o toca no rosto, balbucía, respira e...
- Preciso lhe dizer uma coisa. Algo que quero dizer a muito tempo.
Ele a interrompe
- Não diga nada. Você não sabe o quanto eu esperei para te dizer isso!
Ele respira com a coragem de quem passou a vida buscando cometer um suicídio e está prester a se jogar de um penhasco, ele se joga:
- EU TE...
- MOÇOOOOO! O caixa abriu, eu estou a horas nesta fila pra o senhor ficar de conversinha? Não sou desocupada meu filho tenho muito o que fazer! ...MOÇOO! O senhor vai continuar aí parado? Está me achando com cara de quê?
Precionado ele pega as sacolas, corre em direção ao caixa enquanto intermedía o olhar entre o chão que pisa, à sua frente, e a mulher que ama. Por pouco não derruba tudo e todos, está tremulo demais para ter controle de si mesmo.
            Ela corre para o próximo caixa.Ela sai antes que ele. Ele faz de tudo para alcançá-la.Ele consegue. Ele pega no ombro dela. Ela vira, olha para trás. Ela espera ouvir o que sempre quis ouvir, e ele...
                - Julia! Eu...
                - Amor, já fez as compras e nem me esperou? Você é mesmo a esposa mais teimosa e linda que eu já vi. Quem é? Seu amigo? Tudo bem? Prazer Rodrigo.
            Diz o marido dela, sorridente.Rodrigo aperta a mão dele, mas nem ele nem ela sorriem.
                - É amor, é apenas um velho amigo... da faculdade...
            Eles se olham pela última vez. Ela sai com o homem de sua vida, seu marido. Segue olhando para trás. O homem que ama segue na direção contrária, ainda olha para ela até que sua visão seja encoberta pelos carrinhos, as crianças, as sacolas, o cotidiano. Ele não a vê mais. O homem da vida dela era Rodrigo, ela parou um instante para pensar no que sería sua vida. Somente pensou.
            Neste momento, ela não vai largar o marido e correr para trás. Ele não vai ligar para ela. Ela não vai encontrar o apartamento dele. Ele não vai ao trabalho dela. Eles não se encontrarão novamente em um super mercado e nem em qualquer outro lugar... A vida é esta mesmo, esta foi a vida que ele fez. Sim, a história acabou.Ele não se jogou do penhasco. 


 Gabriela Albano Lins

3 comentários:

  1. Own, tao deprimente. Me lembrou uma frase do Federico Moccia " na vida de hoje a gente nao tem tempo nem para sofrer"

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  2. Gabi, que bonitinho, vc é uma boa escritora! Tem ritmo, jogo interno da trama e criatividade. Bjo

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